O 1º Encontro Nacional de Procuradorias, Assessorias e Consultorias (Enapac) dos Tribunais de Contas (TCs) terminou nesta terça-feira (23/9), após dois dias de debates na sede do Tribunal de Contas de Santa Catarina (TCE/SC), em Florianópolis. Promovido em parceria com a Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), o evento reuniu especialistas e representantes de diversos TCs e de Poderes do país para discutir os desafios jurídicos enfrentados pelas unidades. A segunda edição será realizada, em agosto do ano que vem, em Minas Gerais.
A palestra de encerramento foi conduzida pela professora titular aposentada de Direito Administrativo da Universidade de São Paulo (USP) Maria Sylvia Di Pietro, que abordou “A responsabilidade do parecerista jurídico na nova Lei de Licitações”. A mediação ficou a cargo do vice-presidente do TCE/SC, conselheiro José Nei Alberton Ascari, que ressaltou a trajetória acadêmica e institucional da jurista e doutora em Direito pela USP, “marcada pelo rigor técnico, pela clareza didática e pela contribuição efetiva à construção de uma administração pública mais eficiente, ética e, também, mais comprometida com o interesse da sociedade”.
Ao considerar o tema de grande relevância para o direito administrativo contemporâneo, o conselheiro Ascari destacou que a Lei n. 14.133/2021 reformulou profundamente o regime das contratações públicas. “E, num cenário de crescente valorização da segurança jurídica e, também, da responsabilização dos agentes públicos, compreender os limites e os deveres do parecerista é essencial para todos aqueles que atuam na administração pública”, salientou.
A apresentação trouxe uma análise sobre os desafios e as implicações da atuação jurídica no contexto da nova legislação, uma vez que impôs maior responsabilidade aos pareceristas jurídicos, especialmente no que diz respeito à fundamentação técnica e à segurança jurídica dos atos administrativos. “Acho que essa Lei veio para complicar. Um procedimento realizado com muita frequência, pelo servidor público, tinha que ser mais simples, mais acessível”, afirmou.
Segundo Di Pietro, o parecer jurídico deixou de ser apenas um instrumento meramente opinativo, sem efeitos jurídicos diretos, e passou a ter papel decisivo na conformidade dos processos licitatórios. “A Lei ampliou, consideravelmente, o papel dos assessores jurídicos. É até preocupante o quanto isso vai sobrecarregar os órgãos jurídicos do Estado, da advocacia pública. Hoje, a Lei exige, praticamente, o acompanhamento de todo o procedimento de licitação pelo assessor jurídico”, asseverou.
Durante sua exposição, a jurista defendeu que a atividade jurídica nos órgãos públicos seja exercida por servidores concursados, justamente por serem menos suscetíveis a pressões externas e mais comprometidos com a legalidade e a impessoalidade — 60% dos municípios não possuem advocacia pública organizada, recorrendo a cargos em comissão ou à terceirização da consultoria, informou. Para ela, a estabilidade e a autonomia técnica são essenciais para garantir a integridade dos pareceres jurídicos, especialmente diante das exigências da Lei n. 14.133/2021.
Destacou que a assessoria jurídica atua como órgão de controle de legalidade da administração, conforme previsto na própria legislação, em três dispositivos específicos — o art. 53 (caput), o § 4º do mesmo artigo, e o art. 169 —, que reforçam o papel institucional da assessoria jurídica como instância preventiva, voltada à conformidade dos atos administrativos com o ordenamento jurídico.
Ao falar sobre a responsabilização pela elaboração de pareceres, disse que a interpretação adotada pelo assessor jurídico no processo de licitação pode ser divergente da posição adotada pelo tribunal de contas. “E não dá para dizer que só porque é divergente, que seja ilegal”, declarou. Para ela, erro grosseiro é aquele que “salta aos olhos”, como fundamentar parecer em lei revogada. E alertou para os riscos do uso da inteligência artificial na elaboração de pareceres. “A inteligência artificial veio para ficar, mas exige cautela. Há problemas de plágio, alucinações algorítmicas e riscos de responsabilização profissional. O advogado não pode abrir mão da supervisão crítica”, advertiu.
Na conclusão da sua palestra, a jurista Maria Sylvia citou o Acórdão n. 1.565/2024, do Tribunal de Contas da União, que reconheceu a configuração de erro grosseiro quando a conduta do agente público se afasta daquela que seria esperada de um administrador médio. “Esse entendimento reforça a necessidade de clareza sobre os limites da responsabilidade dos pareceristas: o direito não é ciência exata, e a divergência jurídica faz parte da democracia.”
Sob a coordenação da procuradora-geral da Procuradoria Jurídica do TCE/SC (PROCTCE/SC), auditora fiscal de Controle Externo Gláucia Mattjie, o 1º Encontro Nacional de Procuradorias, Assessorias e Consultorias também abriu espaço para a apresentação de boas práticas que vêm sendo implementadas em Tribunais de Contas. As iniciativas demonstram o compromisso das instituições com a modernização, a transparência e a efetividade na fiscalização dos recursos públicos.
O “Parecer referencial como instrumento de boa governança” foi um dos destaques. Desenvolvida pela Procuradoria Jurídica da Corte de Contas catarinense, a prática surgiu como resposta à nova Lei de Licitações — Lei n. 14.133/2021 —, que prevê a obrigatoriedade de parecer jurídico em processos licitatórios, mas também permite sua dispensa em casos de baixo valor ou baixa complexidade.
Segundo a procuradora-geral, a equipe da PROCTCE/SC identificou que muitas demandas eram repetitivas e sobrecarregavam o setor, mesmo quando os processos estavam regulares. Diante disso, ela destacou que foram elaborados dois pareceres referenciais: um, desenvolvido em 2024, para casos de inexigibilidade para a contratação de professores para o Instituto de Contas (Icon) e para inscrição de servidores em eventos; e o outro, produzido em 2025, para dispensa de licitação em compras de pequeno valor.
A auditora Gláucia explicou que a medida foi acompanhada de capacitação para os servidores envolvidos nas contratações, permitindo que as licitações fossem realizadas diretamente, sem necessidade de submissão ao setor jurídico. “Isso gerou fluidez, agilidade e celeridade”, ressaltou Gláucia, ao informar que outros dois pareceres estão em análise, voltados para prorrogações e aditivos de compras.
Para a procuradora-geral, a iniciativa tem gerado impacto positivo, em favor da racionalização do trabalho jurídico e da melhoria da eficiência administrativa. De acordo com dados apresentados, em 2024, dos 100% de processos de dispensa de licitação, 12% foram motivados por valores considerados baixos, e, em 2025, até o dia 12 de setembro, foram 6%. “Nos três meses de uso do parecer referencial, 38% das dispensas foram realizadas com base nesse instrumento”, disse.
Com relação aos processos de inexigibilidade para contratação de professores pelo Instituto de Contas e para participação de servidores em cursos e eventos, em 2024, 23% tratavam dessas finalidades, sendo registrado o mesmo percentual até setembro de 2025. A auditora Gláucia salientou que 75% das inexigibilidades já tiveram como base os pareceres referenciais, o que evidencia a consolidação da prática.
Na oportunidade, ela enfatizou que os pareceres referenciais têm permitido à equipe jurídica focar em processos mais complexos e de maior risco. “Quando a gente tem uma equipe limitada, é preciso usar essa equipe para processos mais vultosos. O parecer foi algo muito proveitoso, que impactou o nosso trabalho. Hoje, conseguimos ter uma atuação mais direta com a Presidência e com outros tribunais, pois temos mais tempo para pensar, para estudar e para se dedicar a outras causas, não tão repetitivas. E a própria lei percebeu essa necessidade”, afirmou.
Além da boa prática do TCE/SC, foram apresentados os seguintes trabalhos:
- TCE/MG - Autonomia das Procuradorias nos Tribunais de Contas: a ADI 7441 e a experiência do TCE/MG na defesa de suas prerrogativas frente ao Estado.
- TCE/MG - Autorregulamentação dos Tribunais de Contas: a atuação do Consultivo Jurídico e o caso das cotas no concurso público do TCE/MG.
- TCE/RN - Assistência litisconsorcial como ferramenta estratégica: experiência da Conju/RN na defesa judicial do TCE/RN.
- TCE/RN - Robotização de leitura para monitoramento de judicialização de atos de controle externo.
- TCE/PA - Compartilhando experiências: padronização e uniformização de entendimentos da consultoria jurídica do TCE/PA.
- TCU - Tecnologia e inteligência artificial nas licitações e contratos do Tribunal de Contas da União.
- TCE/MS - O novo sistema recursal no TCE do Mato Grosso do Sul.
- TCE/BA - A utilização do protesto como mecanismo de efetividade nas decisões condenatórias dos Tribunais de Contas.
- TCE/PE - Atuação para garantir a maior eficiência na recuperação dos créditos públicos e no ajuizamento de execuções fiscais: edição de resoluções e realização de parceria com o TJPE e órgãos jurisdicionados.
- TCE/PE - Diligências judiciais para garantir a legitimidade do Estado para execução de multas simples: atuação junto à PGE/PE.
- TCE/PE - Acompanhamento de processos de relevância para o Tribunal de Contas: atuação de forma antecipada às intimações judiciais (concurso do TCE/PE, concursos municipais e mandados de segurança ajuizados no primeiro grau).
- TCE/PE - Expedição de orientações normativas para otimização das contratações do Tribunal.
- TCE/PE - Aurora e ChatGPT: a inteligência artificial no auxílio da elaboração de textos.
Com o tema “Integração e representatividade para uma atuação mais eficiente dos Tribunais de Contas”, o Enapac trouxe à tona questões sensíveis e recorrentes do direito administrativo, constitucional e processual, promovendo a troca de experiências entre os setores jurídicos dos tribunais. O encerramento do evento marcou não apenas o fim de dois dias de discussões, mas também o início de uma nova etapa de integração e fortalecimento das unidades jurídicas dos TCs.
Crédito das fotos: Guto Kuerten e Caio Cezar (Acom – TCE/SC).
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